A Disneylíada é um livro completo para quem viaja ou gosta de narrativas de viagens, principalmente daquelas onde você precisa conhecer a experiência de quem já foi. Tem informações, links e orientações para quem vai à Flórida, visitar o Mickey e comprar nikes e ipods.

É a história de um viajante cansado, muito cansado...( veja alguns capítulos nas postagens de Jan, 16. )

http://comprar.todaoferta.uol.com.br/a-disneyliada-guia-para-orlando-florida-Q3MW43EBCT

quarta-feira

Apresentação



Este NÃO é apenas mais um guia de viagens. Vem com a voz de autor estreante numa viagem pop, a Disney da Flórida. Quase um diário de viagens. E ainda faz comparações com a Ilíada, história famosa na Idade Antiga. Se uma coisa tem a ver com a outra, aí, a decisão é do seu ouvido, amigo leitor, querida leitora.

Mas também é um guia de viagens como todos os outros. Basta ficar na primeira parte do livro, onde estão as listas de coisas para checar, ver e fazer quando se vai à Disneyworld. Vamos nomear esta primeira parte de Fast Lane, via rápida, que vai lhe ajudar a enxergar bem naquelas terras distantes e cheias de nomes estranhos, Orlando, Kissimee, Osceola, Tampa. Sem falar em Boca Ratton, logo ali em Miami.

Se gostou da Fast Lane, querendo mais, estamos aí, com um pouco de cultura clássica, universal. A Ilíada é um poema épico-religioso, quinze mil versos, escrito por Homero, um Aedos, um tipo de contador de histórias bem popular no século VIII AC. Foi o primeiro poeta na história do mundo a virar celebridade.

Ele escreveu ainda a Odisséia e várias outras aventuras em verso, e as declamava em praças lotadas. Na Ilíada, Homero narra uma guerra há 3,2 mil anos, entre os Aqueus – antepassados dos gregos - e os Troianos, com a participação mais do que especial de Zeus, Poséidon, Hera, Tétis, Apolo, Afrodite e outras criaturas e deuses mitológicos.

Exalta dois grandes guerreiros – Heitor e Aquiles - e milhares de guerreiros menores. É o confronto de duas culturas, um conflito iniciado muito antes da guerra, por causa de uma fruta dourada durante um casamento. O pomo da discórdia. Hollywood à lá grega. Ação, intriga, sexo, amor, perícia, ódio, batalhas, tramas surpreendentes ao final.

Por isso leitores e leitoras, a Disneylíada: uma quase paródia, uma história cruzada. Com certeza, relata um esforço homérico para todos que fazem essa aventura, para o agrado dos nossos pequenos deuses, nossos filhos. Meses de preparação para alguns dias de desfrute mitológico. Quilômetros andados e horas discutidas por autorizações, documentos, verificações de segurança, consultas a amigos e parentes. Tudo para se divertir num país que, assim como Tróia, vive em guerra.

Porque também gosto de histórias e de viagens coloquei outros assuntos. Um pouco das origens da Disney e da Universal Studios, dos personagens das notas de dólar, as roller-coasters, montanhas-russas, história do próprio turismo. Para que a leitura seja também uma viagem no conhecimento, que nunca termina, assim como o tempo.

Posso supor que um dia, quando Orlando for descoberta por algum arqueólogo, daqui a três mil anos, talvez seja tratada com o mesmo respeito e admiração que hoje concedemos a Atenas e seus deuses. E pode ser também que naquela época Homero fosse apenas uma diversão de praça pública. Quem vai saber ?



PS >: A FAST LANE ESTARÁ DISPONÍVEL NA VERSÃO IMPRESSA, EM MARÇO 2008



mais fotos em: http://gomesalex.multiply.com

Canto I - Flórida


“Garota eu vou pra Califórnia, viver a vida sobre as ondas “

Lulu Santos

Como nasceu a Disneyworld? Uma oportunidade imobiliária surgida nos anos 60 do século XX, quando boa parte do interior da Flórida era um pântano infestado de alligators e no litoral, Daytona Beach, Fort Lauderdale, Tampa e Miami se confirmavam como destinos turísticos tropicais. Eram centenas de Convenções de religiosos e empresários ou categorias profissionais, desde os anos 20. Foi a primeira Era de Ouro Americana.

A Flórida era também o melhor caminho para as Ilhas da América Central, Cuba, Cayman Island, Antilhas. Mas só para quem tinha um barco, uma classe acima, portanto. A primeira parada do turismo náutico sempre acontecia na pequena pérola do Golfo do México, Key West, o último porto americano naquele lado, formado por um cordão de ilhotas.

Aí veio um artista e empreendedor bilionário, às escondidas, comprou uma cidade inteira para construir atrações de grande público e tornou a Flórida destino do mundo. Chamava-se Elias. Walter Elias Disney. Nascido em Chicago, em 1901, crescido e espancado pelo pai numa fazenda em Marceline, Missouri. Morto em 1966, era mais famoso do que Jesus Cristo. E que o John Lennon não nos ouça...

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O grande estado da Flórida sempre teve uma vocação natural muito forte para ser natureza mesmo. Não é uma ilha, mas é banhada de mar por – quase - todos os lados. Inclusive por dentro. Tem grandes, pequenas e minúsculas lagoas doces, ligadas a pântanos e tem o imenso parque florestal de Everglades, com o chão das ruas forrados de irmãos do Wally, aquele jacaré do desenho animado de Hanna & Barbera. Quando se vê do avião, parece playmobil, milhas e milhas de chão organizado.

O clima tropical cheio de água favorece a vida animal e a costa ainda é cheia de fauna marinha, fonte de vida para os índios Seminoles, primeiros habitantes a serem expulsos do local. A história da Flórida é de menina abandonada que se fez por si mesma, mas com a ajuda de um admirador estrangeiro no final.

Foi território espanhol do século XV até o século XVII, quando passou para os Ingleses numa troca – vejam só – por Havana, em Cuba. Correntes migratórias do Caribe marcaram o território latino desde cedo. Há uma fábrica de charutos Cubanos na Flórida com uns cem anos. Fidel é coisa recente por lá.

Depois os ingleses perderam a guerra da independência dos EUA, em 1776, usando a Flórida como base operacional. Os americanos independentes trocaram-na mais uma vez, pelo apoio dos espanhóis para a futura nação. Em 1821 a Flórida deixou de ser imigrante ilegal e passou a ser a estrela número 27 da Stars and Stripes, nome artístico da Bandeira Americana. Mas a Flórida tem, por ironia histórica, a mais antiga cidade americana, Saint Augustine, fundada em 1569.

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No século XX, a Flórida Índico-Caribenha-Espanhola de plantações, gado, mineração, turismo nas praias, e dinossauros nos subsolos foi se extinguindo e dando lugar a um estado mais norte-americano. Foi a expansão multinacional dos EUA revertida para dentro. Hoje concentra grandes atrações de turismo – com e sem praias, aliás – e tecnologia das mais avançadas. Desde o retrô futurista no Magic Kingdom, primeira obra do Disney, até Cabo Canaveral, a estação de lançamentos de naves espaciais da NASA, obra do Verner Von Braun, aquele alemão que serviu ao Hitler enquanto os americanos não chegavam até ele, no final da Guerra.

Disney e Von Braun trabalharam juntos. O cientista alemão e o cineasta americano já possuíam em comum o gosto pela leitura do mestre da ficção Julio Verne e ambos criaram lá suas coisas com base naquelas descrições. Disney criou filmes com foguetes, Von Braun, foguetes. Mas no início da década de 50, o alemão entrou na folha de pagamento do americano, o que era muito comum com europeus naquela época de pós-guerra. Von Braun foi consultor técnico na criação de um seriado Disney sobre extra-terrestres, algo que nunca fez sucesso, por isso, nunca achei o nome. Alguém se habilita?

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Então, como eu dizia, uma oportunidade imobiliária deve ter batido na mesa de Walt, tendo ao lado seu irmão Roy e o amigo Ub Iwerks. Vende-se Terrenos amplos na Flórida, clima tropical, fartura de água, tudo tão barato que você nem acredita. Ou seja, terrenos bem longe das cidades, na baixada do interior mais quente, cheio de lagoas que transbordam quando chove. E como chove na Flórida. A mãe de Disney se chamava Flora. Protegia-o das surras. Podia ser um sinal. Um empreendimento como aquele imaginado por Disney seria bem recebido em qualquer grande cidade americana.

Os três empresários olhavam os anúncios da Flórida e viam o futuro do próximo parque. O primeiro, a Disneyland, havia sido um estrondoso sucesso, em Anaheim, na Califórnia, do outro lado dos EUA, que hoje soma quase 500 milhões de visitas. No melhor estilo americano, Disney havia reunido seus funcionários mais criativos no que chamou de Disney Imageneering, uma fábrica de idéias. Daí nasceram os parques.

A DisneyLand, a Californiana, inaugurada em 1955, era um pouco de Coney Island misturada com Hollywood, a imensa janela para a fantasia. Coney Island é a terra das primeiras roller coasters, no litoral do estado de Nova York. Este parque da Califórnia foi a marca da expansão do pós-guerra no terreiro dos Disney. Mas não era a primeira vez que alguém iria turisticamente visitar um filme, participar da experiência, com cenários e reprodução de emoções e sentimentos.

A Universal Studios, em Hollywood, já dava seus passeios com turistas desde 1912. A MGM, a United Artists, idem. Mas com Disney era a primeira vez que alguém misturava isso com parques de diversão, roller coasters e cobraria o valor de um almoço pela entrada. Velocidade, giro, música, dança, luzes, água espirrando, e o Mickey ali na sua frente. Qual criança no mundo, depois de assistir Fantasia, ou qual adulto, desde Steamboat Willie, não gostaria de ir à casa do rato ?

A Disney na Flórida começou no início dos anos 60, com o nome de projeto X. Foram comprados 27 mil hectares através de várias empresas, para não levantar a bola. Quando o jornal Orlando Sentinel avisou que alguém ia comprar o condado de Osceola quase inteiro, especulou-se a vinda da Ford, da MacDonnel Douglas, da Hughes, grandes fábricas de artefatos antigos como aviões e carros. Houve alguma elevação de preços. Disney denunciou-se a si mesmo como o grande comprador e os imóveis vizinhos dispararam de preço. A indústria do futuro, Hollywood, estava a caminho da Flórida, entertainment business. Até os alligators comemoraram.

Walt Disney chegou a ver em vida as maquetes, as primeiras obras, os projetos e os orçamentos, de 400 milhões de dólares. Depois de sua morte, em 66, o projeto foi rebatizado de Walt Disney World, mais conhecido por lá pelo nome de Magic Kindgom, o primeiro dos seis parques Disney na Flórida, inaugurado em 71. O irmão dele, Roy Disney, inaugurou o parque e morreu um ano depois, dando fim à Era Disney e início à era fantasma, sob a presidência do sobrinho de Walt, Roy Edwards, que por pouco não enterrou tudo com desmandos administrativos. A era Disney Corporation só começou a levantar o império de hoje em 1984, sob a tutela dos administradores profissionais Michael Eisner e Frank Wells .

As terras que abrigam o complexo Disney na Flórida, enfim, ganharam status de cidade, Lake Buena Vista. Disney pensou no particular como se faz infra-estrutura de governo de primeiro mundo. Era um artista e empreendedor nato, tipo Midas, mas sem a maldição do ouro. A maldição de Disney foi outra.

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Midas foi um rei da mitologia grega, numa lenda que ensina sobre a ambição desmedida, o perdão e a honra. Ele ofereceu hospedagem, prazer e alegria a Sileno, o pai do deus do prazer, Dionísio. Sileno havia se perdido depois de uma bebedeira daquelas, promovida por Baco, Deus do Vinho, naquelas noites intermináveis no Baixo Olimpo.

Pela cortesia, concedeu Dionísio a Midas a realização de um desejo, a ser pago por Baco, responsável pelo pileque de Sileno. Pediu Midas: quero que tudo quanto eu toque se transforme em ouro. Contrariado pela escolha imbecil, Baco aceitou e Midas saiu tocando tudo o que via até que sentiu fome e sede e tudo que sua língua tocava, virava ouro.

Ele não morreu de fome. Midas pediu perdão à Baco, pelo olho grande, que muito mais contrariado, concedeu de novo, e mandou que ele se lavasse no rio Pactolo, na Grécia, que até hoje tem essas areias cor de ouro. A história de Midas é posterior à Ilíada.

Midas terminou a vida distribuindo riquezas, assim como Disney, que se foi aos 65 anos, de câncer, a maldição que lhe coube, sem direito a perdão dos Deuses. Um herói americano. Quando tentou se alistar para a Guerra, já em 1918, foi rejeitado pela baixa idade. Inscreveu-se então na Cruz Vermelha e foi assim mesmo, para dirigir ambulâncias, com 16 anos.

Gostava do Brasil. Conheceu Carmem Miranda, ouvia o Bando da Lua e veio ao Rio uma vez, mostrar o Zé Carioca. Dizem que colaborou com o senador MacCarthy para expulsar comunistas de Hollywood, nos anos 40. Pode ter sido. Se foi, pesa a balança a seu favor. Por razões óbvias porque preservou a Disney da política destruidora de imagens do Macarthismo. Filhos e netos dos comunistas devem ter ido à Disney também. E agradecem a Deus por isso.

Canto V - Visto


“Nós vamo invadir sua praia “
Roger, Ultrage a Rigor

Nos tempos antigos, ia-se à Olimpíada, ao Coliseu Romano, ou aos Anfiteatros Gregos como se vai hoje à Disney, ou Europa. O Coliseu, por sinal, tinha lá suas intenções parecidas com os parques temáticos. A estrutura na base da construção romana permitia que a arena principal se enchesse de água, para realização de batalhas navais. É um show ou não é? E o que não falta em Orlando são anfiteatros, todos com palco no centro, arquibancadas em meia-lua feitas com escadas, igual em Atenas.

De Atenas saíam estradas para todo o mundo conhecido, ou seja, Mar Mediterrâneo, Norte da África e Oriente Médio. Daí pra cima o mundo virava outra coisa, tribos na Europa. Dos Estados Unidos partem as maiores e mais congestionadas rotas aéreas e marítimas. Visto do espaço, é o lugar onde as cidades mais brilham, com exceção talvez de Londres, Sidney ou Paris.

Tão grande que seus muros só podem existir, portanto, no campo pessoal, um a um vigiado, pesado, medido, controlado. Mas tudo na maior competência possível, educação de primeiro mundo. E no primeiro contato com o território americano isso fica logo evidente: a segurança prioritária, a organização para que a fila ande, a simpatia com quem concorda.

No prédio USA do Rio, a transparência dos vidros verdes acaba nos olhos verdes do militar que observa as filas. Ninguém fala nada. Lá dentro não sei dizer, eu fui à São Paulo.

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Conferidas vinte vezes a documentação, toda original, fotos, formulários, roupa ideal, material para esperar na fila, fomos pela madrugada na Via Dutra de ônibus leito – um sono só - um dia antes da entrevista, marcada para as duas da tarde. Sabe como é, São Paulo = engarrafamento + longas distâncias. Se fosse de avião, seria apagão aéreo+neblina= aeroporto fechado. Como nada aconteceu, chegamos cedo na fila do consulado, 7:30h, para esperar até às 14:30h na rua, para entrar às 15:30h, para sair às 16:30h. Todos muito pontuais e educados, até na longa espera. Fazia um belo dia de sol frio em São Paulo.

Em volta do prédio, que parece uma fábrica, proliferam o comércio e serviços associados à fila e ao processo de visto. Tem vendedores de vaga na fila, estacionamentos com despachante incluído, uns bares com sanduíches típicos para pouca fome e bolso cheio. Fica numa parte feia do Morumbi, rua Henry Dunant, quem diria, um pacifista, ainda por cima, suíço. Foi o presidente da Convenção de Genebra, que formulou as leis de proteção ao indivíduo durante uma guerra.

De manhã cedo vi muitos casacos e botas de couro, bolsas Vuitton, odores de Chanel. Senhoras colocavam lenços de seda sobre o jornal, para sentar no chão, em plena calçada. Nas mesas sempre ocupadas dos bares, adolescentes siderados chegavam com a aceitação do visto, mas vi uma mulher muito bonita sair do prédio e chorava. Um sujeito assustado chegou atrasado, dizendo-se envolvido num acidente, perdeu a hora, tinha o boletim de ocorrência. Teve que esperar o fim da fila, às 16:30h, mas conseguiu.

O horário marcado no agendamento é só para concentrar pessoas. Você não será atendido na hora que marcou, portanto. Entramos no grupo, passamos por baias onde atendentes nacionais e estagiários fazem o pré-atendimento e conferem se estamos com os documentos. Depois tem cadeiras para esperar. O espaço lembra o que seria o atendimento do INSS, se funcionasse. Fomos chamados primeiro para colocar o dedo indicador numa leitora ótica de digitais, coisa do FBI. Chegou a hora, vamos até a funcionária americana num guichê de vidro, que nem prisão, onde tem um telefone ao lado.

Esperamos ao todo nove horas, para mostrar aquela penca de documentos, e então veio a revelação. Com clientes da Disney eles são bastante tolerantes. Depois do registro eletrônico e mostrar que pelo menos tínhamos os documentos pedidos, ela não conferiu rigorosamente nada além dos formulários DS e o meu estava rasurado. A atendente americana perguntou coisas como: vocês vão pela primeira vez ? Quem banca a viagem ? Nem o Imposto de Renda a funcionária olhou. Pudera, são milhares de pessoas com a mesma história, mesmo destino, mesma cara de medo e cansaço, algumas prontas a explodir por qualquer detalhe.

A atendente grampeou os formulários, ficou com os passaportes, fechou nosso arquivo no computador, e disse em português macarrônico, sio visto ésta apravado, el próximo. Duraram exatos quatro minutos a entrevista esperada por três meses, desde o agendamento.

Felizes e cansados, - sinto que vou repetir muito isso - eu e minha mulher passamos à fase seguinte, ainda dentro do consulado USA de Sampa. Receber os passaportes. Só que eles vão pelos Correios, via Sedex, obrigatoriamente. Deix’eu ver, mil, por dia, 70 mil pessoas por ano, a R$ 22, cada Sedex, dá quanto a venda casada?

A espera, portanto, só acaba três dias depois, de volta ao Rio, imaginando se o porteiro vai vacilar ou o carteiro vai ser roubado, sei lá, essas coisas que Cassandra sempre diz.

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Com o livro de volta às mãos, o visto com foto impresso em papel que imita dinheiro, você até pensa que conseguiu alguma coisa realmente de valor. Mas ainda falta um formulário, o I-94, distribuído dentro do avião, que depois de preenchido é revisto e carimbado pelo oficial da Alfândega americana e deve ser anexado ao passaporte. Sem esse papel, você simplesmente não consegue “fugir” nem do aeroporto dos EUA, vai ter que prestar contas ao serviço de imigração, pode perder o avião na volta. Tudo muito sério.

Esse oficial da Alfândega deve ser como porteiro de boate famosa. Diz quem entra ou não, se a roupa combina, essas coisas. Mas não tente suborná-lo ou ser piadista. Lá nos EUA qualquer coisa fora do comum é suspeita de terrorismo. Sério, muito sério.

Todos aconselham tirar cópias xerox coloridas, ou escaneadas, plastificadas, das folhas principais do passaporte, a que contém sua foto, suas informações e o visto. É para andar por lá enquanto o passaporte verdadeiro dorme tranqüilo no cofre do Hotel, com o I-94 vigilante ao seu lado.

Canto X - Solo Americano


"Mama put my guns on the ground
I can’t use them anymore
"
Knocking on Heaven's door Bob Dylan


Amanhecer no céu norte-americano é novo. Olhar as vastidões da civilização local animava muito. A dor da viagem é passado, também é futuro. Dá até para sorrir na saída do avião, depois do tormento.

Na minha interminável fome de sensações e conhecimento, vejo o novo lugar não como os outros já invadidos e conquistados por hordas de turistas. Aqui eles estão esperando você, sejam lá quantas legiões você representa. É tudo huge, grande.

Olhar do alto é olhar um mapa ao vivo. Deve ser fácil desenhar mapas hoje em dia na Flórida. Basta fotografar e colocar os nomes por cima. Dizem que no Google Maps é assim. Eu falo gógou méps, todo mundo me corrige, é gúgou, não é gógol. Assim ganhei o apelido. Gógol.

É realmente impressionante a quantidade de estradas, terrenos cuidados, fazendas, matas separadas, lagos, muitos lagos. Não se vê terra vazia, ou estrada pequena e sinuosa. Tudo tem seu local. Está tudo arrumado.
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O Aeroporto de Miami, vou resumir numa placa. Tem letras A, B, C, D, E, F, G e H, ainda estão construindo o resto do alfabeto. Embaixo de cada letra, um valor de tempo. A-12 minutos. C - 8 minutos. H - 17 minutos. Depende de onde você saltou, são os minutos para andar – com ajuda de esteiras - até aquele terminal. Olha, eu nem lembro se tem terminal com a letra agá mesmo, mas você já entendeu.

É huge, muito huge. Cabe uns seis aeroportos nossos num deles. A empresa da gente, do ônibus voador, tem um terminal só para seus clientes sofridos. Como o próximo vôo era com eles de novo, não andamos nada. Comprei meu primeiro café na Starbucks, um de-leite. Paguei errada minha primeira conta, os tais seis e meio por cento que não estão no cardápio, só na nota. A atendente deu aquele olhar de “putz, mais um !” .

Uma mala nossa havia desaparecido, uma companheira de excursão havia despachado por nós para Tampa, pensando que era dela, susto rápido, primeira adrenalina e primeira nova amizade com história pra contar. O nome dela é Ângela, viaja com o filho quase médico e uma pequena filha, a caçula de oito anos, que ora batizaremos de “A Menor”.

Dali para um vôo leve e rápido, até Tampa, um aeroporto menor, mas com trens elétricos que ligam terminais de passageiros à entrada para os aviões. O centro do Aeroporto tem uma altura interna de uns 30 metros, um teto oval, tudo em vidro e tubos de alumínio ovais. É bem novo, diferente de Miami, que parece coisa dos anos 80. A mala reapareceu.
Cansados e felizes, com a nova paisagem, nova luz e novo cenário, ainda não vamos para o Hotel. Vamos para o Wal-Mart, no ônibus que nos leva para Orlando, onde ficam os parques, hotel e tudo mais. Essa parada no supermercado é estratégica. Precisa estar atento, ver e comprar rápido. Por ordem da excursão, não entendi a pressa. Deve ser a tal intendência da guerra, o general dos suprimentos e víveres. Esse, Homero não reservou lugar na sua história, eu acho. Mas sem ele as galeras não se moveriam dos portos.

Comprar nos EUA é um esporte, um pentatlo, como nas Olimpíadas. É preciso ter boa pontaria, para atingir logo a seção que você precisa, dentro de um enorme salão com gôndolas cheias de coisas que você nunca viu, mas quer ver. Contam boas pernas para cumprir mais depressa o caminho entre as sessões. Raciocínio rápido ajuda nas contas, convertendo para o Real as compras que você vai levar de volta ao Brasil.

Aquelas coisas que você vai consumir na viagem nem adianta converter. Estratégia de ação é fundamental, não vai dar tempo de passear entre as gôndolas a procurar curiosidades. Vá direto no que precisa. Nessa primeira seção de compras, no Wal-Mart, ficamos ligados em produtos para consumir no Hotel, mas os preços de eletrônicos são muito bons. Algumas pessoas da excursão já saíram com i-pods na bolsa. Eu comprei um chapéu panamá de vaqueiro.

Nosso hotel tem frigobar e microondas, vale a pena comprar víveres não-congelados, muito Gatorade, biscoitos e coisas para lanches rápidos, que podem ser levados para os parques. RS só esqueceu de avisar, antes, que o frigobar não tinha congelador, só geladeira. Eu comprei meu sorvete preferido em grande quantidade. Para beber depois. Lições pequenas. Pior foi almoçar no Mac Donald’s do local. Cadê o Burguer King? Mas nada comparado a um estranho episódio que vai ficar sem explicação.

Eu fumo, às vezes até lamento por isso. Nos EUA, você tem local para fumar e se fumar fora do local alguém aparece do nada para lhe advertir. É certo como água molha. Então fui para fora do supermercado, no local indicado, quando passou um coupê branco, Lincoln, tipo anos 80, com um sujeito muito mal encarado, de toquinha, bigode e recém-saído da prisão, eu acho.

O cara me olhou como quem esperasse alguma confirmação, eu instintivamente ajeitei meu novo chapéu panamá de Caubói e o cara feia voltou. E eu olhei de novo! Lembrei do meu cachorro, João, quando ficamos encarando um ao outro para ver quem abaixa o olhar primeiro. Coisa de matilhas.

Pensei também em Roberto Rodriguez e Tarantino. Câmera lenta. O cara passa devagar, saca uma Glock 9 mm e dispara quatro tiros num segundo. Tudo bem, exagero. Ele foi embora. Mas o olhar não era de boa coisa, com certeza. Depois terminei meu primeiro cigarro em terras americanas. Carlton, do Brasil. O Ministério da Saúde adverte. Fumar faz mal à saúde.

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Você caro leitor atento, minha leitora que nada deixa passar, vocês devem estar pensando, cadê a parte da revista no Aeroporto e a confirmação da entrada, o formulário I-94 para o oficial da alfândega te carimbar o passaporte? Claro, essa não podia ficar de fora e eu deixei pro final do capítulo. Compreendeu? Para você memorizar a cena.

É o momento mais tenso para alguns. Os que estão, por exemplo, devendo e não falaram nada. Não é o meu caso.

Lembra de todos os formulários, documentos, comprovantes de que você é você, tudo aquilo que passamos juntos nos primeiros capítulos lá na PF? Servem para esse exato momento. Porque on–line sua ficha já foi investigada trezentas vezes e eles querem só ver pelo raio-X algumas cores que indicam coisa proibidas.

Enquanto as bolsas passam, você tira os sapatos, as coisas do bolso, tudo pros raios-X coloridos. E de meias – não use as furadas – você passa por uma máquina que assopra, um nariz eletrônico, para drogas e explosivos. Quase igual aos bancos no Brasil distante, quando apitam suas portas automáticas por excesso de moedas.

Depois o oficial da alfândega nos sorriu enquanto liberava o I-94 sem perguntar nada, tipo sou gente boa mesmo. Atendeu a nós três, família toda e quase sempre junta, já sei, vão para a Disney, né mesmo ? Podem entrar ! E gastem como se não estivessem em casa ! Não, isso ele não disse. Fui eu mesmo que pensei, senhor leitor ou senhora leitora.

Canto XX - Animal Kingdom


“Ah, como é difícil tornar-se herói
só quem tentou sabe como dói
deter Satã só com orações “”


Aldir Blanc e João Bosco

Desde o início da Disneylíada, em março, minha filha relatava, a cada duas horas, a seqüência de brinquedos que não iria perder. O elevador do Hotel do Terror, como ela chamava o Hollywood Hotel, na Disney MGM. O Magic Kingdom, e o Animal Kingdom. Quando mudava a lista, qual fosse a mudança, o Animal Kingdom estava lá.

Hoje é o dia do Animal Kingdom. O Busch Gardens da Disney. Não sei quem copiou quem, desconfio que o Busch Gardens é mais antigo, tem uma montanha-russa de madeira, que me recusei a andar. Mas primeiro vamos no Typhoon Lagoon, a Lagoa do Tufão, o segundo parque aquático no complexo da Disney.

Fez sol, diferente do primeiro parque, o Blizzard Beach. Porém a rápida lotação dos brinquedos é comum entre os dois parques. Por isso sugeri a minha mulher e minha filha irmos primeiro no mergulho com tubarões, que me pareceu coisa demorada, criadora de filas. O problema é que os bichos gostam de água muito fria, eram nove da manhã. Corremos dali, não deu.

No alto de um monte artificial, no centro do Typhoon, tem um barco cenográfico, lembrança de um furação que passou por lá e criou uma cena real dessas. Abaixo, uma piscina abrangente – estou apelando – com ondas a cada minuto. Você ouve um barulho, tum, e lá vem a onda. É meio metro de onda mas tem escola de surf no parque. A água é azul e não tem cloro, acho que tem zinco. O fundo é de cimento, rala o pé. Muita gente usa sapatos de borracha alugados no parque, por higiene e segurança, mas a grande maioria anda de chinelos e sandálias. Não vi nenhum homem ou garoto de sunga, nenhuma garota com biquíni cavadão, só calçolão. Minha senhora, por favor, não me tome por libidinoso, ainda mais num livro assim tão infanto-juvenil, mas é que vou à praia no Rio de Janeiro, e a total inexistência de biquínis brasileiros me pareceu outro mundo.

Aluga-se armários, dá para tomar banho, trocar de roupa, e ir para outro parque. Lembre-se de levar uma mochila bem equipada, sempre. Capas de chuva nessa época são tão indispensáveis que destruímos duas de tanto usar.

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No complexo da Disney, vamos pegar os ônibus deles. Essa demora nos deslocamentos é freqüente, todos se jogam no chão. Dormem Mirmidões e Vestais ao sol de Parador. Numa dessas paradas, vimos as instalações de um haras, com uns 40 cavalos. É parte de um hotel resort, Fort Wilderness, ambiente rural. Não vi o hotel. Quem vai lá, esquece celular e TV e pode viver como no Velho Oeste. Com os confortos de hoje em dia, se quiser.

No Animal Kingdom, vamos direto para o restaurante de sanduíche. Depois o passeio principal é entre os animais de verdade. Eles drenaram uma grande área para ficar semelhante ao deserto do Serenguetti, e trouxeram girafas, leões, rinocerontes, gado indiano, gnus, hipopótamos, guepardos, tudo para a gente passear no meio deles.

Deve ter uns funcionários do parque escondidos pelos matos para tocar os bichos para perto das trilhas, ou deixam por lá os alimentos nos locais preferidos. Os bichos chegam bem perto do carro, menos os felinos. Eles simulam ainda que há caçadores no local. Passamos por uma cabana de camping e dentro da mala de um Jeep tinha um animatronic de pequeno rinoceronte.

O Animal Kingdom têm lá suas divisões por países da África e Índia, e suas montanhas-russas são fechadas. A que tem uma queda d’água não fui, mas não perdi a maior, Everest. Simula uma subida ao monte famoso do Tibet, e tem o fato de que pára dentro de uma caverna, anda para trás, um tanto rápido, e muda de trilho para completar o circuito. Você vê um imenso boneco do Yeti, da lenda do Pé-Grande.

Por falar em Pé Grande, dei uma topada na porta de um restaurante, o dedão sangra. Vamos a um ambulatório, eu e um dos garotos, que havia danificado o mesmo dedo, o que leva mais topadas. Cinco minutos depois estamos com band-aids que contém uma pomada meio anestésica. Pensei na propaganda dos advogados para turistas, quem sabe eu não ganhava outra viagem para o ano que vem? Desisti, por gratidão a todas as emoções concedidas por eles.
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O Marrocos, norte da África, dentro do Animal Kingdom, foi o mais perto que cheguei do cenário da Ilíada, trecho do mar Mediterrâneo conhecido por Mar Grego. Não há nenhuma referência aos gregos em toda a viagem, nem o filme do Hércules eu vi. A Grécia hoje é destino turístico cinco estrelas do mundo todo, dezenas de transatlânticos pelas ilhotas entre Atenas e Anatólia. Concorrência.

Na Ilíada estávamos no Canto XV quando Poséidon pede a Hipnos que passe a mão na cara de Zeus, fazendo-o dormir. Digamos que, em termos de futebol, o jogo estava cinco a cinco e os melhores lances, no meu humilde entender de Ilíada, foram nos Cantos III, XIX e XXII.

No canto três, Menelau duela com Paris e quem sobrevivesse levava Helena para casa e a guerra acabaria com um só morto. Isso era um hábito mostrado no filme Tróia, logo no começo. Os generais poupavam soldados e não raro aliavam-se para saquear a próxima nação juntos. Menelau vence, mas a deusa Afrodite interfere, livra Paris do vexame de ser morto, e o pacto para o fim da guerra se desmancha no ar.

O Canto XIX – dezenove - é a virada da história. Aquiles finalmente faz as pazes com Agamenon, depois que seu amigo Pátroclo é morto por Heitor, que ainda leva a armadura de Aquiles. Ele emprestara ao companheiro. Mas no filme Tróia eles mudam tudo, criam um clima de que foi Pátroclo quem teria saído às escondidas. Besteira, o filme é muito ruim, salva-se o Brad Pitt, o Peter O’Toole e o Eric Bania, respectivamente como Aquiles, Príamo e Heitor. Eles nem consideraram a hipótese de colocar os Deuses em atuação. Por isso vamos deixar o filme de lado.

O canto vinte e dois é o duelo maior da história. Quando uma cultura acaba com a outra, desfaz seu manancial de qualidades. Diz Aquiles a Heitor antes da luta: “a caça não pode fazer tratos com o caçador”. Aquiles mata-o e nega a obrigação de devolver o corpo do derrotado para os funerais adequados. Cruel como um Deus. Acho que Homero determina ali o fim da história com a mensagem: venceram os reinos mais fortes, que ficam do lado da Grécia de hoje, perderam as tribos que ficavam do outro lado, a Turquia. Homero era grego, quem vence conta a história como lhe convêm.

Os últimos capítulos da Ilíada são os funerais de Patróclo e de Heitor. O pai do guerreiro derrotado, Príamo, vai à tenda de Aquiles, correndo o risco de nunca mais voltar. Pede ao guerreiro Semi-Deus que devolva o corpo do filho Heitor, para os rituais. Aquiles, finalmente humano, se emociona e concede o pedido, garantindo a volta de Príamo aos muros até então intactos de Tróia. A morte de Aquiles, por uma flecha envenenada de Páris, no calcanhar, também está fora da Ilíada. É contada na Eneida, do poeta romano Virgílio, muitos séculos depois. Assim como o Cavalo de Tróia, artimanha de Ulisses para colocar soldados dentro da cidade murada e com isso vencer a guerra mais famosa da Antiguidade. Mas não a única.

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