"Mama put my guns on the ground
I can’t use them anymore "
Knocking on Heaven's door Bob Dylan
Amanhecer no céu norte-americano é novo. Olhar as vastidões da civilização local animava muito. A dor da viagem é passado, também é futuro. Dá até para sorrir na saída do avião, depois do tormento.
Na minha interminável fome de sensações e conhecimento, vejo o novo lugar não como os outros já invadidos e conquistados por hordas de turistas. Aqui eles estão esperando você, sejam lá quantas legiões você representa. É tudo huge, grande.
Olhar do alto é olhar um mapa ao vivo. Deve ser fácil desenhar mapas hoje em dia na Flórida. Basta fotografar e colocar os nomes por cima. Dizem que no Google Maps é assim. Eu falo gógou méps, todo mundo me corrige, é gúgou, não é gógol. Assim ganhei o apelido. Gógol.
É realmente impressionante a quantidade de estradas, terrenos cuidados, fazendas, matas separadas, lagos, muitos lagos. Não se vê terra vazia, ou estrada pequena e sinuosa. Tudo tem seu local. Está tudo arrumado.
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O Aeroporto de Miami, vou resumir numa placa. Tem letras A, B, C, D, E, F, G e H, ainda estão construindo o resto do alfabeto. Embaixo de cada letra, um valor de tempo. A-12 minutos. C - 8 minutos. H - 17 minutos. Depende de onde você saltou, são os minutos para andar – com ajuda de esteiras - até aquele terminal. Olha, eu nem lembro se tem terminal com a letra agá mesmo, mas você já entendeu.
É huge, muito huge. Cabe uns seis aeroportos nossos num deles. A empresa da gente, do ônibus voador, tem um terminal só para seus clientes sofridos. Como o próximo vôo era com eles de novo, não andamos nada. Comprei meu primeiro café na Starbucks, um de-leite. Paguei errada minha primeira conta, os tais seis e meio por cento que não estão no cardápio, só na nota. A atendente deu aquele olhar de “putz, mais um !” .
Uma mala nossa havia desaparecido, uma companheira de excursão havia despachado por nós para Tampa, pensando que era dela, susto rápido, primeira adrenalina e primeira nova amizade com história pra contar. O nome dela é Ângela, viaja com o filho quase médico e uma pequena filha, a caçula de oito anos, que ora batizaremos de “A Menor”.
Dali para um vôo leve e rápido, até Tampa, um aeroporto menor, mas com trens elétricos que ligam terminais de passageiros à entrada para os aviões. O centro do Aeroporto tem uma altura interna de uns 30 metros, um teto oval, tudo em vidro e tubos de alumínio ovais. É bem novo, diferente de Miami, que parece coisa dos anos 80. A mala reapareceu.
Cansados e felizes, com a nova paisagem, nova luz e novo cenário, ainda não vamos para o Hotel. Vamos para o Wal-Mart, no ônibus que nos leva para Orlando, onde ficam os parques, hotel e tudo mais. Essa parada no supermercado é estratégica. Precisa estar atento, ver e comprar rápido. Por ordem da excursão, não entendi a pressa. Deve ser a tal intendência da guerra, o general dos suprimentos e víveres. Esse, Homero não reservou lugar na sua história, eu acho. Mas sem ele as galeras não se moveriam dos portos.
Comprar nos EUA é um esporte, um pentatlo, como nas Olimpíadas. É preciso ter boa pontaria, para atingir logo a seção que você precisa, dentro de um enorme salão com gôndolas cheias de coisas que você nunca viu, mas quer ver. Contam boas pernas para cumprir mais depressa o caminho entre as sessões. Raciocínio rápido ajuda nas contas, convertendo para o Real as compras que você vai levar de volta ao Brasil.
Aquelas coisas que você vai consumir na viagem nem adianta converter. Estratégia de ação é fundamental, não vai dar tempo de passear entre as gôndolas a procurar curiosidades. Vá direto no que precisa. Nessa primeira seção de compras, no Wal-Mart, ficamos ligados em produtos para consumir no Hotel, mas os preços de eletrônicos são muito bons. Algumas pessoas da excursão já saíram com i-pods na bolsa. Eu comprei um chapéu panamá de vaqueiro.
Nosso hotel tem frigobar e microondas, vale a pena comprar víveres não-congelados, muito Gatorade, biscoitos e coisas para lanches rápidos, que podem ser levados para os parques. RS só esqueceu de avisar, antes, que o frigobar não tinha congelador, só geladeira. Eu comprei meu sorvete preferido em grande quantidade. Para beber depois. Lições pequenas. Pior foi almoçar no Mac Donald’s do local. Cadê o Burguer King? Mas nada comparado a um estranho episódio que vai ficar sem explicação.
Eu fumo, às vezes até lamento por isso. Nos EUA, você tem local para fumar e se fumar fora do local alguém aparece do nada para lhe advertir. É certo como água molha. Então fui para fora do supermercado, no local indicado, quando passou um coupê branco, Lincoln, tipo anos 80, com um sujeito muito mal encarado, de toquinha, bigode e recém-saído da prisão, eu acho.
O cara me olhou como quem esperasse alguma confirmação, eu instintivamente ajeitei meu novo chapéu panamá de Caubói e o cara feia voltou. E eu olhei de novo! Lembrei do meu cachorro, João, quando ficamos encarando um ao outro para ver quem abaixa o olhar primeiro. Coisa de matilhas.
Pensei também em Roberto Rodriguez e Tarantino. Câmera lenta. O cara passa devagar, saca uma Glock 9 mm e dispara quatro tiros num segundo. Tudo bem, exagero. Ele foi embora. Mas o olhar não era de boa coisa, com certeza. Depois terminei meu primeiro cigarro em terras americanas. Carlton, do Brasil. O Ministério da Saúde adverte. Fumar faz mal à saúde.
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Você caro leitor atento, minha leitora que nada deixa passar, vocês devem estar pensando, cadê a parte da revista no Aeroporto e a confirmação da entrada, o formulário I-94 para o oficial da alfândega te carimbar o passaporte? Claro, essa não podia ficar de fora e eu deixei pro final do capítulo. Compreendeu? Para você memorizar a cena.
É o momento mais tenso para alguns. Os que estão, por exemplo, devendo e não falaram nada. Não é o meu caso.
Lembra de todos os formulários, documentos, comprovantes de que você é você, tudo aquilo que passamos juntos nos primeiros capítulos lá na PF? Servem para esse exato momento. Porque on–line sua ficha já foi investigada trezentas vezes e eles querem só ver pelo raio-X algumas cores que indicam coisa proibidas.
Enquanto as bolsas passam, você tira os sapatos, as coisas do bolso, tudo pros raios-X coloridos. E de meias – não use as furadas – você passa por uma máquina que assopra, um nariz eletrônico, para drogas e explosivos. Quase igual aos bancos no Brasil distante, quando apitam suas portas automáticas por excesso de moedas.
Depois o oficial da alfândega nos sorriu enquanto liberava o I-94 sem perguntar nada, tipo sou gente boa mesmo. Atendeu a nós três, família toda e quase sempre junta, já sei, vão para a Disney, né mesmo ? Podem entrar ! E gastem como se não estivessem em casa ! Não, isso ele não disse. Fui eu mesmo que pensei, senhor leitor ou senhora leitora.
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